Para a ministra da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (Seppir), Luiza Helena de Bairros, o principal entrave é
a falta de interação entre o governo federal e os institutos de terras
dos estados, responsáveis por 73% das titularizações. A cientista social
Lílian Cristina Bernardo Gomes, da UFMG, alerta que os projetos de lei
em tramitação no Congresso visam retirar mais direitos dessa população,
estimada em 1,17 milhão de brasileiros.
Brasília - A ministra da Secretaria Nacional de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Helena de Bairros, disse
nesta segunda (5), em audiência pública no Senado, que a falta de
interação entre o governo federal e os institutos de terras dos estados é
o principal entrave para a regularização fundiária das terras
remanescentes de quilombos, prevista pela Constituição Federal de 1988 e
que avança há passos ainda mais tímidos do que as das comunidades
indígenas. “Há quilombos em terras devolutas dos estados, que não são
contestadas por outras partes. Nós não temos desculpas para que a
titulação não aconteça em uma velocidade maior”, afirmou.
De
acordo com a ministra, o Brasil possui, hoje, cerca de 1,17 milhão de
quilombolas, boa parte deles vivendo no limite da miserabilidade. Ela
informou também que há hoje no país 1.948 áreas reconhecidas como terras
remanescentes, além de outras 1.834 já certificadas pela Fundação
Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura. São exatos 1.167
processos abertos para titulação de terras. Entretanto, apenas 193 áreas
foram, de fato, tituladas. “Nossa prioridade, agora, é dar ao Programa
Brasil Quilombola a dimensão estadual que ele sempre deveria ter tido.
Precisamos pensar as políticas públicas em todas as suas dimensões”,
observou.
Luiza Helena de Bairros informou que o Brasil
Quilombola, criado há oito anos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, estrutura as políticas públicas destinadas aos quilombolas em
quatro eixos: acesso à terra; infraestrutura e qualidade de vida;
inclusão produtiva e desenvolvimento local; e direitos e cidadania. “Por
mais que melhoremos as políticas sociais, a avaliação do governo por
parte das comunidades não passa por isso. Passa pela nossa capacidade de
dar conta dos problemas fundiários. Do ponto de vista das comunidades, é
a questão central. Portanto, além de ampliar cobertura das políticas
sociais, temos que fazer com que a regularização fundiária tenha avanços
mais significativos”, acrescentou.
Professora da Faculdade de
Ciências Sociais, Política e História da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Lilian Cristina Bernardo Gomes destacou a importância do
país conter o etnocídio a que o povo negro brasileiro vem sendo
submetido historicamente. “A democracia brasileira só se aprofundará na
medida em que ela for capaz de refletir o que se passa na sociedade”,
afirmou.
Segundo ela, a demanda principal das comunidades
quilombolas é a terra, porque a noção de identidade dessas comunidades
está diretamente ligada ao território em que vivem. Entretanto, apesar
da Constituição Federal reconhecer este direito e aclamar a cultura
remanescente como patrimônio nacional, são inúmeras as artimanhas
utilizadas para restringir os direitos desta população. “De onze
projetos de lei já apresentados na Câmara sobre o tema, sete são
restritivos ao direito quilombola”, afirmou.
Como exemplos,
citou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que transfere
do governo para o Congresso a responsabilidade pela demarcação de terras
indígenas e quilombolas, e o Projeto de Lei 1.836/2011, que
descaracteriza o caráter coletivo da propriedade das terras quilombolas.
A pesquisadora criticou a supressão, pela Câmara, de um trecho do
Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) que reafirmava o direito
definitivo à propriedade das terras e esclarecia que o benefício é
coletivo.
Para Lílian Cristina, se não tivesse sido suprimido da
lei, o trecho asseguraria direitos aos quilombolas que hoje são
contestados no Supremo Tribunal Federal (STF), em especial a ação
apresentada pelo DEM questionando a inconstitucionalidade do Decreto
4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas
por remanescentes das comunidades dos quilombos. A cientista social
avalia que estruturas políticas caducas reverberam o lugar comum de que,
no Brasil, o branco é o detentor natural da posse da terra.