segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Caixa fecha ano com R$ 134,9 bi em crédito imobiliário


A Caixa Econômica Federal fechou o ano passado com R$ 134,9 bilhões em contratações de crédito imobiliário, valor recorde e que representou aumento de 26,4% sobre 2012. Em número de contratos, foram fechadas mais de 1,9 milhão de operações de financiamento, sendo boa parte sob o programa “Minha Casa Minha Vida”.
A expectativa da Caixa, segundo nota à imprensa, é que “o crédito imobiliário continue crescendo, devendo ficar entre 10% e 20% maior do que no ano passado”.
Do montante aplicado no último ano, 65% foram destinados à aquisição de imóveis novos e 35% para imóveis usados. No total, foram R$ 61,64 bilhões em aplicações com recursos da poupança (SBPE), R$ 41,22 bilhões pelas linhas que utilizam recursos do FGTS e R$ 20,47 bilhões com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Demais fontes somaram R$ 11,57 bilhões, de acordo com o banco.
Os financiamentos para aquisição ou construção de imóveis individuais corresponderam a R$ 79,12 bilhões e os financiamentos para a produção de imóveis atingiram R$ 55,83 bilhões. “O financiamento direto à produção vem apresentando crescimento significativo nos últimos anos, saindo de 14% do total do crédito imobiliário do banco em 2007 para 41% do total aplicado em 2013”, informou a Caixa.
O market share do banco era de 69% no fim de 2013. A Caixa acrescentou que a inadimplência dos financiamentos imobiliários manteve-se baixa, com índice de 1,47%, inferior ao índice de 1,54% do fechamento do primeiro semestre.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Patrimônio dos 85 mais ricos é igual ao da metade da população mundial

GRAEME WEARDEN
DO "GUARDIAN"

As pessoas mais ricas do mundo não são conhecidas por andarem de ônibus, mas se decidissem variar um pouco suas rotinas, as 85 pessoas mais ricas do planeta - que juntas controlam riqueza equivalente à de metade da população mundial - caberiam, com algum aperto, em um ônibus de dois andares.
O acúmulo de porção tão grande da riqueza do planeta nas mãos de um punhado de integrantes da dita "elite mundial" foi exposta segunda-feira (20) em um novo relatório da Oxfam. A organização de caridade informou que as 85 pessoas mais ricas do mundo têm patrimônio combinado de um trilhão de libras, montante semelhante ao patrimônio combinado dos 3,5 bilhões de pessoas mais pobres do planeta.
O patrimônio do 1% mais rico da população mundial atinge os US$ 110 trilhões, ou 65 vezes mais que o patrimônio da metade mais pobre da população do planeta, acrescentou a organização, que teme que essa concentração de recursos econômicos esteja ameaçando a estabilidade política e agravando as tensões sociais.
DESIGUALDADE
É um lembrete perturbador sobre a profunda desigualdade de riqueza que existe no planeta, no momento em que líderes políticos e empresariais se encaminham aos picos nevados de Davos para o Fórum Econômico Mundial, esta semana.
Poucos deles, se algum, chegarão em um veículo comum como um ônibus, e jatinhos e helicópteros particulares serão colocados em serviço para atender a muitas das pessoas mais poderosas do planeta, que se reunirão para discutir o estado da economia mundial em quatro dias frenéticos de reuniões, seminários e festas no exclusivo centro suíço de esqui.
Winnie Byanyima, diretora executiva da Oxfam, participará das reuniões em Davos e disse que "é inaceitável que, no século 21, metade da população do planeta - estou falando de 3,5 bilhões de pessoas - não tenha mais propriedades que uma minúscula elite que caberia perfeitamente em um ônibus de dois andares".
A Oxfam também argumenta que isso não acontece por acidente, e afirma que a crescente desigualdade foi propelida por uma "jogada de poder" das elites endinheiras, que cooptaram o processo político a fim de manipular em seu favor as regras do sistema econômico.
No relatório, intitulado "Working for the Few" [trabalhando para poucos], a Oxfam adverte que a luta contra a pobreza não poderá ser vencida até que a desigualdade de riqueza seja enfrentada.
"Ampliar a desigualdade está criando um círculo vicioso em resultado do qual a riqueza e o poder se concentram cada vez mais nas mãos de alguns poucos, deixando ao resto de nós a luta pelas migalhas que caem da mesa dos poderosos", disse Byanyima.
A Oxfam apelou aos participantes do Fórum Econômico Mundial deste ano que assumam o compromisso pessoal de enfrentar o problema, evitando manobras que reduzam seus impostos e o uso de sua riqueza para buscar favores políticos.
Além de ser moralmente dúbia, a desigualdade econômica também pode exacerbar outros problemas sociais, como a desigualdade entre os sexos, alertou a Oxfam. Davos mesmo enfrenta dificuldades quanto a isso, já que o número de mulheres participantes caiu de 17% do total em 2013 a 15% este ano.
INFLUÊNCIA
As pesquisas para o relatório da Oxfam constataram que as pessoas em países de todo o mundo - incluindo dois terços dos entrevistados no Reino Unido - acreditavam que os ricos têm influência demais sobre a direção que seus países estão tomando.
Byanyima explica: "Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, igualmente, estamos cada vez mais vivendo em um mundo no qual as alíquotas mais baixas de impostos, os melhores serviços de saúde, a educação e as oportunidades de influenciar estão sendo dadas não só aos ricos mas também aos seus filhos".
"Sem um esforço coordenado para enfrentar a desigualdade, a transferência de privilégios e de desvantagens continuará gerações afora. Logo estaremos vivendo em um mundo no qual a igualdade de oportunidade será apenas um sonho. Em países demais o crescimento econômico já representa pouco mais que um jogo no qual os mais ricos levam todos os ganhos."
O relatório da Oxfam constatou que, ao longo das últimas décadas, os ricos exercitaram com sucesso a sua influência política a fim de influenciar as normas em seu favor quanto a questões que variam da desregulamentação financeira, paraísos tributários, táticas de negócios prejudiciais à competição, alíquotas menores de impostos para as pessoas de alta renda e cortes de serviços sociais para a maioria.
OPORTUNIDADES
Do final dos anos 70 para cá, as alíquotas de impostos das pessoas mais ricas caíram em 29 dos 30 países para os quais há dados disponíveis, o relatório afirma.
Essa "captura de oportunidades" pelos ricos à custa dos pobres e da classe média resultou em uma situação na qual 70% da população mundial vive em países nos quais a desigualdade avançou, dos anos 80 para cá, e 1% das famílias controlam 46% da riqueza mundial - quase 70 trilhões de libras.
Pesquisas de opinião pública na Espanha. Brasil, Índia, África do Sul, Estados Unidos, Reino Unido e Holanda constataram que a maioria dos cidadãos em cada um desses países acredita que as pessoas ricas exercem influência demais. A preocupação é mais forte na Espanha, seguida pelo Brasil e Índia; a Holanda registra a menor preocupação quanto a isso.
No Reino Unido, 67% dos entrevistados concordam em que "os ricos têm influência demais sobre a orientação do país" - e 37% afirmam concordar "fortemente" com a afirmação -, ante apenas 10% de pessoas que discordam, 2% das quais fortemente.
O relatório "Riscos Mundiais", do Fórum Econômico Mundial, recentemente identificou a disparidade de renda crescente como uma das maiores ameaças à comunidade mundial.
A Oxfam está apelando aos participantes do fórum de Davos que assumam o compromisso de apoiar a tributação progressiva e de não usar recursos que permitam que reduzam seus impostos; que se recusem a usar sua riqueza de forma a obter favores políticos que solapem a vontade democrática de seus concidadãos; que tornem públicos seus investimentos em companhias e fundos dos quais sejam os principais proprietários e beneficiários; que desafiem os governos a usar a arrecadação tributária para fornecer serviços universais de saúde, educação e proteção social; que exijam salários justos nas empresas que possuem ou controlam; e que desafiem os demais membros da elite econômica a acompanhá-los nessas promessas.

Endereço da página:

Onde estamos?

Por Antonio Delfim Netto

Para entender por que precisamos de uma política econômica e social que redirecione a sua ênfase distributiva para uma ampliação do investimento e da produtividade total dos fatores de produção, é importante voltar ao básico. Os problemas que vivemos são, em larga medida, consequências de uma bem-sucedida política de inclusão social, que deve ter um prosseguimento adequado, porque é parte do processo civilizatório que desejamos construir.
Cometemos alguns exageros usando instrumento pouco eficiente para superar a pobreza (principalmente a absoluta), como o salário mínimo, que tem efeitos colaterais dramáticos sobre as finanças públicas. Mas não é possível negar que tivemos um inegável sucesso na superação da "Grande Recessão" de 2008/09. Exorbitamos, em seguida, na ênfase ao consumo.
Mas isso não pode obscurecer o fato que, no septênio 2007-2013, o PIB cresceu à média anual de 3,5%; a taxa de inflação anual ficou desagradavelmente em torno de 5,8% (30% acima da meta); o balanço em conta corrente foi, na média, de 2% do PIB; a dívida bruta/PIB andou por volta de 60% e acumulamos US$ 290 bilhões de reservas externas, além de testemunhar uma extraordinária inclusão social, acompanhada por significativa redução das desigualdades. Nesse período festejamos a escalada de quatro ratings da Standard & Poor's (de BB+ a BBB).
Desde 2011, entretanto, uma conjunção de fatos internos e externos foi expondo a fadiga crescente da nossa economia. No triênio 2011-2013, o PIB cresceu menos de 2% ao ano; a inflação superou os 6% (com mais de 1% escondido) e o déficit em conta corrente pulou para 2,7% do PIB. Essa é a razão pela qual agora xingamos a Standard & Poor's, que ameaça nos rebaixar.
O que houve? Uma explicação plausível é que o desenvolvimento econômico consistente exige uma certa harmonia no uso do produzido (o PIB) entre o consumo de hoje e o investimento que aumenta a capacidade produtiva que vai satisfazer o consumo de amanhã. Ela pode ser acomodada mais facilmente durante algum tempo com a ajuda da conjuntura externa (como existiu entre 2003-2010), mas não durante todo o tempo.
O desenvolvimento econômico é apenas o codinome de produtividade do trabalho e essa produtividade é função da quantidade e tecnologia do capital alocados a cada trabalhador com seu nível de educação e saúde. Há, em geral, uma covariação entre o nível de tecnologia incorporado ao capital e o nível de educação do seu operador.
A produtividade do trabalho é uma função crescente da relação capital (K)/trabalho (L). Multiplicada pelo número de trabalhadores ela é o PIB. Para que haja "desenvolvimento", é preciso que a quantidade de capital por trabalhador, ou seja, que a quantidade de capital do país (K) (infraestrutura, equipamentos, usinas de energia etc.) cresça mais depressa do que a população economicamente ativa (L).
No gráfico abaixo, a população total do país (N) é separada entre dois grandes conjuntos: os que estão trabalhando (L) e recebem salários e os (N-L) que não trabalham e por qualquer motivo (aposentadoria, Bolsa Família, auxílio-desemprego, Loas, RMV etc.) recebem benefícios do Orçamento.
A saída é harmonizar distributivismo e volta ao crescimento
Uma vez produzido, o PIB pode ser usado: 1) no consumo, (C) pelos trabalhadores (L) que recebem salários, e pelos (N-L), que recebem benefícios; 2) pelo governo, que através da tributação se apropria de parte do PIB (G) e o usa, basicamente, para a distribuição aos (N-L). O que "sobra" (Ig) vai para investimentos em infraestrutura, que se somam aos investimentos do setor privado. Como os recursos são finitos, a "distribuição" costuma brigar com os "investimentos" e esses têm, sistematicamente, levado a pior, o que significa menor K/L e, logo, menor produtividade; e 3) no investimento (I) (do governo e privado), que se divide em investimento físico (KF), que vai somar-se ao estoque de capital, e o investimento humano (KH), que vai elevar a educação, a saúde e as habilidades da população, que determinam o crescimento futuro.
O problema é que o nível de investimento privado não depende apenas da existência de demanda, mas do sentimento geral dos investidores, do seu "espírito animal". Se eles acreditam (como acreditaram até há pouco), que o governo lhes é pouco amigável, não há incentivo que os mova. O governo fica, então, refém do capitalismo de "compadres": os mais ousados e oportunistas que, com dinheiro público lutam por oligopólios protegidos, mas não têm a menor condição de induzir os outros a segui-los.
A única saída para continuar com a política civilizatória é harmonizar as relações entre "distributivismo" (com porta de saída) e a volta ao crescimento, que é a condição necessária para sustentá-lo, o que exige mais investimento. A fórmula é: maior liberdade de iniciativa e ênfase nos estímulos à competição.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Brasil tem segunda maior carga tributária da América Latina.


A carga tributária no Brasil é a segunda mais elevada na América Latina como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e supera a receita média de impostos nos países desenvolvidos, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A cobrança de impostos no país, incluídas as contribuições à seguridade social, continua aumentando e representou 36,3% do PIB em 2012 comparado a 30,1% em 2000. Só é superada pela Argentina com 37,3%. A média em países ricos é de 34%.
A arrecadação fiscal pulou de R$ 354,8 bilhões em 2000 para R$ 1,59 trilhão em 2012, conforme mostra o “Relatório de Estatísticas Tributárias na América Latina 2014”, elaborado pela OCDE, com participação da Comissão da ONU para América Latina (Cepal) e do Centro Interamericano de Administrações Fiscais (Ciat).
A receita tributária tem subido consideravelmente em quase toda a América Latina, mas ainda é inferior à da maioria dos países da OCDE. A alta na região é atribuída em parte a condições macroeconômicas favoráveis, a mudanças e fortalecimento de alguns sistemas tributários. Em 2012, os maiores incrementos em relação ao PIB ocorreram na Argentina (2,6 pontos percentuais), Equador (2,3 pontos), Bolívia (1,8 ponto) e Brasil (1,4 ponto).
Em entrevista ao Valor, Christian Daude, diretor de Américas da OCDE, diz que parte da alta contínua da arrecadação fiscal no Brasil, mesmo sem reforma, tem a ver, por exemplo, com a melhora na redução de evasão e com arrecadação social. “Muita gente entrou no mercado de trabalho e fez com que a receita da Previdência Social aumentasse, por exemplo”, disse.
Para ele, no Brasil, ao contrário de vários países latino-americanos, “a questão não é arrecadar mais e, sim, provavelmente, eliminar algumas cargas tributárias, ter equidade da imposição, reduzir a evasão fiscal, direcionar os incentivos corretos e, sobretudo, ter eficiência no lado dos gastos”.
O relatório destaca que, dos anos 1980 em diante, vários países latino-americanos privatizaram, em maior ou menor medida, serviços sanitários, educação e seguridade social. Uma característica regional contrasta com a provisão substancialmente pública desses serviços, e em consequência da arrecadação fiscal, em vários países ricos, sobretudo na Europa.
Existe disparidade em todas as regiões. Na América Latina a arrecadação de impostos aumentou de 13,6% do PIB em 1990 para 20,7% em 2012. A receita em alguns países na América Central representa apenas um terço, em proporção do PIB, à do Brasil. 
Em boa parte da região, países têm problemas de arrecadar impostos em meio à falta absoluta de confiança da população.
Por sua vez, nos países-membros da OCDE,  a proporção média dos impostos em relação ao PIB varia de 19,6% no México a 48% na Dinamarca.
Com relação à composição tributária, Daude destaca que no Brasil a parte de impostos indiretos sobre bens e serviços é menor, de 44% do total comparado a média de 51% em outros paises da América Latina.
A contribuição para a seguridade social representa 25% da arrecadação tributária no Brasil, idêntico à média na OCDE. A diferença, avalia Daude, é que no Brasil as aposentadorias do setor privado são mais baixas e cobrem menos gente.
“Claramente, o Brasil tem um dos custos mais altos na região, como está estruturado o sistema de pensões ”, afirmou.
Quanto ao imposto sobre renda (de pessoa fisica e de empresa) representa proporção menor no Brasil, em torno de 22% do total, enquanto na OCDE é de 33,5% na média. Na América Latina, está em 26,4% na média. Na Argentina é de 17,3%, Venezuela 31,6% e Chile é mais alto, quase 40%, mas por causa da cobrança de taxa sobre o setor de mineração.
Para o representante da OCDE, também é “interessante” a repartição tributária no país. Em 2012, os Estados arrecadavam quase 24% do total, os municípios outros 5%, somando-se a cerca de 25% no caso da seguridade social e 46% do governo federal. Em comparação, o governo central no México obtém 82% da arrecadação fiscal.
A receita com taxação de recursos naturais não renováveis representa 7,7% do PIB no México, basicamente no caso do petróleo. No Brasil, fica em 2,2%. Na Venezuela, é quase 10% do PIB.


© 2000 – 2014. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

José Maria Alves da Silva: A crise da ciência econômica


Movimentos acadêmicos cada vez mais expressivos na Europa e América do Norte indicam grande descontentamento com o estado atual do ensino de economia e a formação dos economistas. Para isso, muito contribuíram as falhas explicativas da ciência econômica evidenciadas pela crise econômica mundial, deflagrada em 2008, e seus desdobramentos no que tem sido chamado de a "longa recessão".

Um paradigma científico está moribundo quando é sistematicamente contradito pelos fatos. Não há mais dúvida de que é esse o caso do chamado paradigma neoclássico em economia. No entanto, ele continua servindo de base para a "ciência normal" reverenciada pela grande maioria dos economistas, o chamado mainstream. Para a humanidade, isso seria apenas lamentável se não fosse trágico.

Como Keynes já havia deixado bem claro, o paradigma neoclássico não serve para a compreensão dos fenômenos macroeconômicos do mundo real contemporâneo simplesmente porque abstrai os elementos essenciais de sua natureza que o tornam intrinsecamente propenso à instabilidade. As crises macroeconômicas do capitalismo não surgem por obra de fatores externos ou perturbações de fora para dentro do sistema (choques), mas sim por defeitos "congênitos". Isto, que os fatos insistem em mostrar, continua sendo ignorado pelos praticantes do paradigma neoclássico.

A ruptura de paradigmas na ciência econômica deu-se na década de 1930, com a concorrência de dois eventos que se complementaram notavelmente: a grande depressão da economia norte-americana, deflagrada com o crash da bolsa de valores de Nova York, em outubro de 1929, e a publicação da Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda, de John Maynard Keynes, em 1936. Desde então, uma série de trabalhos fundamentados nos insights originais de Keynes vieram deixar bem claro as inconsistências entre o paradigma neoclássico e a realidade do capitalismo contemporâneo.

Como afirmou certa vez o teórico italiano Luigi Pasinetti, o modelo neoclássico faz sentido como representação virtual de economias que nunca existiram ou de primitivas economias baseadas no escambo de excedentes entre produtores independentes, autosuficientes e polivalentes, nas quais a manufatura era artesanal, não havia propriedade privada, a moeda era uma mercadoria com valor de uso utilizada como intermediária de trocas e a racionalidade humana se impunha por questão de sobrevivência. Esse é um mundo muito diferente do visto na perspectiva das salas de Wall Street.

Portanto, não é por virtudes científicas que o paradigma neoclássico continua predominante no ensino teórico da economia, mas sim por ser conveniente ao establishment, e, além disso, como bem já havia dito John Kenneth Galbraith, há mais de cinqüenta anos, por ser propício à construção e detalhamentos de modelos matemáticos sofisticados, que impressionam os incautos e seduzem a parcela da juventude deslumbrada com avanços tecnológicos, muito embora estejam mais para a "pajelança" do que para a ciência.
Enquanto certos economistas do mainstream se divertem com modelos lúdicos (toy models) em programas de pesquisa que habitualmente invertem a relação entre os meios e os fins da ciência, parcela considerável da população mundial padece sob os efeitos de crises que caberia a uma boa teoria econômica prevenir ou remediar. Estão brincando com coisa séria, e ainda podem ganhar o prêmio Nobel com isso.

Em linha com a revolução keynesiana, estão os trabalhos de grandes pensadores como Michail Kalecki, Nicholas Kaldor e John Kenneth Galbraith, entre outros, que realmente abriram caminhos para a constituição de uma ciência econômica séria. No entanto, esta que, a nosso ver, alcançou seu ponto mais alto com o trabalho de Hyman Minsky, tem sido marginalizada pelos mesmos motivos que explicam a permanência hegemônica do paradigma neoclássico.

É no caminho aberto por esses grandes autores que as novas gerações de economistas devem trilhar se quiserem se tornar praticantes de uma ciência útil em vez de meros agentes de mistificação.
JOSÉ MARIA ALVES DA SILVA, 61, é doutor em economia e professor da Universidade Federal de Viçosa