O jornalista americano Glenn Greenwald disse na terça-feira 6 durante
uma audiência pública conjunta do Senado e da Câmara dos Deputados, em
Brasília, que os dados que divulgou até agora sobre os documentos
secretos que recebeu do ex-consultor da CIA (serviço secreto americano),
Edward Snowden, sobre um esquema de espionagem internacional dos EUA,
não se restringem apenas ao combate ao terrorismo internacional.
Greenwald, que publicou as primeiras reglportagens sobre o programa
de vigilância das comunicações eletrônicas da Agência Nacional de
Segurança dos EUA (NSA, da sigla em inglês) a partir das informações do
delator Snowden, ressaltou que, desde o ataque às torres do World Trade
Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos têm
usado o combate ao terrorismo como justificativa para muitas ações,
incluindo as técnicas de espionagem.
Mas, para Greenwald, o principal objetivo do governo americano com a
espionagem é a obtenção de informações comerciais e industriais, como na
área de energia e petróleo. Segundo ele, está claro que essa é uma
maneira de ganhar mais poder através da obtenção de dados sobre
negociações econômicas, estratégias políticas e competitividade de
empresas. "Em geral, o propósito desse programa é esse [de obter
vantagem]."
Ele citou como exemplo a reportagem publicada na última semana pela revista brasileira
Época
– publicação para a qual Greenwald também escreve – que traz dados
sobre como espionagem norte-americana de oito países, incluindo o
Brasil, influenciou a aprovação de sanções contra o Irã em 2010 pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Esclarecimentos de empresas brasileiras
Na avaliação de Greenwald, que vive no Brasil desde 2005, é "difícil
acreditar" que empresas de telecomunicações e de internet que atuam no
Brasil não saibam o que acontece com os dados coletados no país. "É
importante saber exatamente quais empresas americanas têm acessos a
quais sistemas para olhar com mais atenção sobre o que está acontecendo
exatamente com esses sistemas", opinou.
A coleta e a transferência de dados, segundo o relato do jornalista,
são possíveis porque operadoras brasileiras de telecomunicações estariam
trabalhando com uma grande empresa americana que fornece dados para a
NSA. Greenwald ainda está investigando os fatos a respeito dessa
cooperação.
Segundo a Agência Brasil, o Sindicato Nacional das Empresas de
Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) negou
que as empresas do setor forneçam ou facilitem informações que possam
quebrar o sigilo de seus usuários, a não ser que haja uma ordem judicial
no âmbito da lei brasileira para isso.
O blogueiro e ex-advogado disse não ter como forçar as empresas
brasileiras a fornecerem informações, mas que o Parlamento e os órgãos
do Executivo podem fazê-lo. "Deve haver duas ou três opções de empresas
de telecomunicações que podem estar nessa lista", afirmou Greenwald, ao
ressaltar que essa é a informação mais protegida pela Agência de
Nacional de Segurança. "O que a NSA está protegendo mais é a identidade
das empresas que trabalham com eles (...). Eles estão usando codinomes
para tudo."
Em resposta ao apelo do jornalista americano, o presidente da
Comissão de Relações Exteriores do Senado, senador Ricardo Ferraço,
afirmou que já tem requerimentos aprovados para solicitar a presença
dessas empresas em audiências públicas para prestarem esclarecimentos.
Ponta do iceberg
Greenwald ainda afirmou, durante a audiência no Senado, que as
informações que divulgou a partir dos documentos que recebeu de Edward
Snowden representam uma parte muito pequena do que ainda está por vir. O
delator passou cerca de 20 mil documentos a Greenwald – este disse que
os dados ainda estão sendo analisados.
"Estamos trabalhando com muitas organizações no Brasil e no mundo
todo para publicar mais documentos. É difícil falar sobre os documentos
que ainda não publiquei, mas com certeza vai ter muito mais revelações
sobre a espionagem do governo dos Estados Unidos", disse o jornalista.
Durante o depoimento, Greenwald disse que precisa ser cuidadoso nas
suas declarações por causa de ações judiciais contra Snowden nos Estados
Unidos – por isso, tem restrições quanto ao teor das informações que
pode divulgar.
Destituído do passaporte dos EUA, Snowden conseguiu, na semana
passada, um asilo de um ano na Rússia, depois de um mês confinado na
zona de trânsito do aeroporto Sheremetyevo, em Moscou.
Muito além dos metadados
Sobre a alegação, por parte do governo norte-americano, de que a NSA
apenas acessa os chamados metadados – ou informações básicas sobre dia,
horário e destinatário de mensagens –, Glenn Greenwald afirmou que os
Estados Unidos têm capacidade de interceptar o conteúdo dessas mensagens
se quiser.
"O governo americano tem sistemas para invadir muitos e-mails, não só
metadados, mas coisas que você fala por e-mail, ou coisas que você está
falando pelo telefone", disse Greenwald, ao classificar o sistema
XKeyscore,
programa de busca em bancos de dados de informações que circulam pela
rede, como "assustador" e "o mais poderoso" sobre o qual ele já
escreveu.
Uma grande preocupação de Greenwald é que o sistema é acessado por
milhares de analistas que não ocupam cargos muito altos na hierarquia da
NSA, o que deixa vulneráveis informações pessoais – isso tudo sem a
necessidade de autorização judicial.
"Esse sistema vai mostrar quase tudo o que as pessoas estão fazendo
na internet. É muito mais do que metadados. E o mais assustador, na
minha opinião, sobre esse sistema é que ele é muito fácil de usar",
afirmou.
A maior prova disso, exemplificou Glenn, é o que fez Edward Snowden.
"Qualquer pessoa pode invadir uma informação muito privada sem
justificar, e é muito difícil para descobrir. E a evidência disso é que
Snowden tomou 15, 20, 25 mil documentos supersecretos e ninguém sabia,
porque esse sistema é grande demais, é enorme e ninguém pode controlar
isso", disse.