terça-feira, 6 de agosto de 2013

Adorador do mercado



Recentemente, a Bloomberg Businessweek publicou ótimo artigo sobre como um sujeito de um fundo hedge que adora Ayn Rand está afundando a Sears.
Uma peculiaridade, aliás, é ele não se reunir pessoalmente com seus chefes de departamento; é tudo por videoconferência. E olhe, eu já vi esse filme, provavelmente um original da Syfy, mas não me lembro (deve ter sido melhor que Sharknado, de qualquer modo). É claro que esse cara nem sequer existe, mas é um holograma gerado por computador manipulado por um sujeito maligno da TI.
Bem, voltando à economia: a grande ideia do presidente da Sears, Eddie Lampert, é que os mercados e a concorrência dominam, por isso ele está forçando as diversas partes da companhia a competir por recursos como se fossem firmas independentes, com a rentabilidade de cada departamento sendo o único critério para o sucesso. Segundo aBusinessweek, não está dando certo, mas o artigo não entrou muito em questões mais amplas.
A primeira questão que deveria surgir na cabeça de qualquer pessoa é: se os diferentes departamentos da Sears não têm interesses comuns, se o melhor modelo é a concorrência com unhas e dentes, por que a Sears existe? Por que não apenas romper a companhia em unidades sem motivos para não competir entre si? Nesse sentido, por que qualquer grande firma existe? Por que não ter apenas pequenas firmas, ou talvez apenas indivíduos, que fazem transações para tudo o que precisarem?
É claro, não é assim que fazemos as coisas. Podemos viver em um mar de mercados, mas esse mar é salpicado de ilhas chamadas de empresas, algumas delas bem grandes, nas quais as decisões são tomadas não por meio do mercado, mas da hierarquia – e até, você poderia dizer, do planejamento central. Claramente, há algumas coisas que você não quer deixar para o mercado decidir – o próprio mercado nos diz isso, ao criar essas ilhas de planejamento e hierarquia.
Agora, por que exatamente isso é verdade: por que algumas coisas são mais benfeitas por meio de mecanismos de mercado enquanto outras com pelo menos um pouco de comando e controle é uma questão profunda. O economista Oliver Williamson ganhou um Nobel por ajudar a elucidar alguns aspectos dessa questão.
Entretanto, o negócio é que para um verdadeiro crente no livre mercado o reconhecimento de que certas coisas é melhor não deixar para os mercados decidirem deve ser uma ideia perturbadora. Se as limitações dos mercados para fornecer certos tipos de serviços compartilhados são importantes o suficiente para justificar a criação de entidades de comando e controle com centenas de milhares, ou mesmo milhões, de trabalhadores, não poderia haver até alguns bens e serviços (“tosse” atendimento à saúde “tosse”) mais bem fornecidos por meios de não mercado, mesmo no nível da economia como um todo?
Por isso de certa maneira Lampert está sendo coerente: ele coloca seu dinheiro (na verdade, o de seus investidores) onde está sua ideologia, e aplica a adoração do mercado à administração interna de sua companhia. É claro que a pureza do experimento é mais ou menos estragada pela probabilidade de que, na verdade, essa pessoa não exista, que seja apenas um holograma. Mas, mesmo assim.
Há muito tempo me intriga o argumento de as viagens de longa distância, o comércio e assim por diante como algo novo. Você sabe: a época em que as pessoas viviam no mesmo lugar a vida inteira e só faziam negócios com seus vizinhos mais próximos. Cada aldeia era autossuficiente. Hoje estamos, contudo, num mundo da “globalização global”, e tudo isso.
Essa caricatura era fiel. Mas desde que entraram em cena a máquina a vapor e o telégrafo, houve muita migração e comércio internacionais. O valor do setor de manufaturas aumentou tremendamente nos últimos tempos, ligado à desintegração vertical da produção. Mas, fora isso, em que medida o mundo está realmente menor, ou mais plano, ou seja o que for?
Bem, há uma tendência que conhecemos que vai completamente contra a percepção habitual: nos EUA, pelo menos, as pessoas estão se mudando muito menos. Segundo os economistas Greg Kaplan e Sam Schulhofer-Wohl, a mobilidade interestadual diminuiu pela metade nos últimos 20 anos. Sugerem que isso ocorre em parte porque as regiões ficaram mais parecidas: cada vez mais partes diferentes do país produzem as mesmas coisas e empregam os mesmos tipos de pessoas.

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