Sem crescer, cortar imposto é pura ilusão
LU
AIKO OTTA - O ESTADO DE S. PAULO
07
Setembro 2014 | 22h 00
Velho sonho de reforma tributária esbarra em arrecadação que mal dá para o gasto
BRASÍLIA
- A conta não fecha. De um lado, os candidatos à Presidência da
República prometem investir mais em saúde, educação, segurança,
transportes. De outro, juram que não vão cobrar mais impostos e
contribuições - o País já convive com uma carga tributária de
35,85% - e para muitos o problema não é que seja alta (o da França
- ver gráfico acima - é de 45%), mas que o retorno que a sociedade
recebe por ela é muito pequeno.
A
única coisa que faz o “milagre” de conciliar promessas com
recursos, sem se abrir mão do equilíbrio das contas públicas é o
crescimento econômico. Foi o que aconteceu no País de 2004 a 2011.
Naquele período, com renda, faturamento e lucros em alta, a Receita
bateu recorde em cima de recorde de arrecadação. O cofre cheio
bancou novas e enormes despesas, provocadas pela política de aumento
real do salário mínimo e por programas como o Bolsa Família e o
Minha Casa Minha Vida.
A
sequência de “pibinhos” do governo de Dilma Rousseff voltou a
desequilibrar a equação. “De 2004 a 2011, você tinha um
denominador (PIB) que digeria qualquer coisa que se colocasse no
numerador (gastos)”, explica o economista Fernando Montero, da
corretora Tullett Prebon. “Agora, ele engasgará com uma azeitona.”
Na
batalha pelos votos, os candidatos vendem uma receita que só dá
certo em tempos de bonança. O cenário que hoje se coloca no
horizonte, no entanto, não é nada espetacular. Pela pesquisa Focus,
que o Banco Central faz toda semana com mais de 100 instituições
financeiras, a média projetada para o crescimento do PIB em 2015 é
de 1,15%. Nos anos seguintes, a melhora é modesta: 2,34% para 2016 e
2,76% para 2017.
Mais
arrecadação. Para
manter o sonho de realizações sinalizado pelos candidatos, restam
dois caminhos: mais arrecadação ou mais endividamento. Assim, o
risco é o contribuinte ser chamado a pagar a conta extra. “Não
existe carga tributária alta ou baixa”, adverte o ex-secretário
da Receita Federal Everardo Maciel. “A carga é sempre do tamanho
da despesa.”
Os
gastos do setor público vêm aumentando no Brasil e em todo o mundo.
Segundo especialistas, essa tendência reflete a opção pelo Estado
de bem-estar social. E é essa a direção que os candidatos
reforçam. Mas, para o economista Gabriel de Barros Leal, do
Ibre-FGV, é incorreto achar que as manifestações de junho de 2013
pediram mais gastos sociais. “Elas pediram mais eficiência no
gasto público e menos corrupção”, avalia. “Essa é uma agenda
esquecida pelos governos, a da melhoria da gestão pública.”
Os
especialistas apostam que, passada a eleição, o futuro presidente
não terá outra escolha que não fazer a despesa do Estado caber
dentro do PIB. “O gasto público será um dos primeiros desafios
para o novo governo, independente da construção de uma nova agenda
de gasto público”, comenta o diretor de Políticas e Estratégia
da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto
Fernandes.
Sabatinas. A
reforma tributária foi centro de uma série de sabatinas que a CNI
realizou em julho com os três principais candidatos: Dilma Rousseff,
Aécio Neves e o então candidato do PSB, Eduardo Campos. Os três se
mostraram informados sobre o assunto. “Percebemos que o tema
tributário está mais maduro”, diz Fernandes. Nenhum candidato
chegou propondo uma “bala de prata”, uma reforma ambiciosa como
tantas que naufragaram. Pelo contrário, eles apontaram para temas
específicos - como, por exemplo, a reforma do PIS-Cofins, a
tributação sobre investimentos e a burocracia. “As reformas têm
de ser cirúrgicas”, concorda Everardo.
Há
uma compreensão de que a atual estrutura de gastos do governo não
permite cortar a carga tributária de imediato. Mas, defende
Fernandes, o futuro governo pode propor claramente uma agenda de
mudanças no sistema de impostos e contribuições ao longo do tempo.
E, evidentemente, evitar que a despesa cresça mais do que o PIB.
Na
área técnica do governo, a avaliação é que dá para avançar com
reformas, como as do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) e do PIS-Cofins, mesmo com o caixa restrito. Isso
porque as mudanças no tributo estadual custarão, no primeiro ano,
perto de R$ 1 bilhão em compensações pagas pelo Tesouro Nacional.
E
a do PIS-Cofins pode ser feita de modo a não trazer perda de
arrecadação, mas ainda assim melhorar o dia a dia das empresas.