Por Claudia Safatle
O governo Lula foi um sucesso. A gestão
Dilma Rousseff é mal avaliada. A era FHC foi dramática. Isso é o que diz
o senso comum. Mas um foi bom e os outros não foram comparados a quê?
Para sair da costumeira confrontação entre
os anos PT e a administração do PSDB, de 1995 a 2002, tentar ir mais
fundo e considerar as conjunturas internas e externas de cada período,
os economistas tomaram emprestado um método corriqueiro das ciências
laboratoriais - onde o contrafactual é imitado através da produção de
dados experimentais. Para tanto, criam "países gêmeos artificiais" que
servirão para comparar com o país real pesquisado que foi submetido a
importantes mudanças.
Três economistas - Vinicius Carrasco
(PUC-RJ), João Manuel de Pinho Mello (Insper) e Isabela Duarte (PUC-RJ) -
fizeram o primeiro estudo dessa natureza para avaliar o Brasil no
período Lula e nos dois primeiros anos do governo Dilma. Os autores
construíram um país "gêmeo" para cada variável a ser cotejada e
extraíram dos dados a comparação entre qual poderia ter sido e qual foi o
desempenho do Brasil entre 2003 e 2012. O método, segundo Carrasco e
Mello, "é agnóstico". Ou seja, independe das preferências dos autores.
Diante de um "irmão gêmeo", o país poderia ter feito muito mais
Para confrontar a performance do PIB per capita do Brasil, por exemplo, o estudo buscou nos dados ponderados dos países da América do Sul, da Tailândia, da Turquia e da Ucrânia a síntese do "melhor grupo de comparação" ou "grupo de controle sintético".
O gráfico abaixo mostra que o PIB per capita
vinha mais ou menos em linha com esse grupo de 1995 a 2002, durante o
governo de FHC, e começou a se descolar dele a partir do governo Lula em
2003.
O estudo estabelece o comparativo de 85
variáveis macro e microeconômicas e setoriais. Abarca do PIB à
mineração, da taxa de homicídios aos termos de troca. Os resultados são:
o Brasil cresceu, investiu e poupou menos; recebeu menos investimento
estrangeiro direto, adicionou menos valor na indústria, teve inflação
mais alta, perdeu competitividade e produtividade e piorou a qualidade
regulatória. Isso ocorreu mesmo tendo recebido "um maná externo", dado
pelo boom das commodities e outro "maná interno", da demografia.
"Se tivéssemos crescido em linha com os
melhores grupos de comparação, estaríamos pelo menos 10% a 15% mais
ricos atualmente", sugerem os autores. Por ter o Brasil ficado aquém das
suas possibilidades, eles ousaram no título do trabalho - "A Década
Perdida: 2003 a 2012" -, que traduz um julgamento político do período
considerado. O estudo não se estendeu a 2013 por ausência de dados sobre
os países dos grupos de comparação, informam os autores. Como a
economia brasileira se deteriorou em termos relativos, os indicadores
devem ter piorado em 2013 e 2014, sublinha Mello.
É inegável, porém, que o Brasil avançou nas
questões sociais e andou em linha com seu "irmão gêmeo" na distribuição
da renda, no combate à subnutrição e na saúde. Na educação, ficou aquém
mesmo elevando o gasto.
E foi substancialmente melhor no mercado de
trabalho. "Nesse caso, porém, colhemos as frutas que estavam baixas na
árvore: colocamos as pessoas para trabalhar, o que aumentou a massa
salarial e a renda dos trabalhadores", salientam os autores. Esse
avanço, no entanto, não foi acompanhado de aumentos da produtividade e
dos investimentos em capital físico e humano.
Uma das constatações mais importantes, destacam, é a piora na qualidade regulatória do Brasil de 2003 para cá. "Nesse quesito, pioramos em termos absolutos", informa Carrasco. "Comprometemos inutilmente as bases da prosperidade futura piorando o arcabouço institucional do país, enquanto o melhor grupo de comparação melhorou ao longo da década". A qualidade regulatória, identifica Carrasco, começou a se deteriorar em 2003, quando o governo Lula abriu uma polêmica com a Anatel por causa da autorização de aumentos nas tarifas telefônicas de até 41,7%. Desde então a autonomia das agências reguladoras foi comprometida.
O risco regulatório seria uma das razões
para o aumento do custo do capital e suas consequências, como a redução
dos investimentos e prejuízos para o crescimento do PIB per capita e da
distribuição da renda, indica o estudo.
A intermediação financeira, telecomunicações
e a produção de petróleo andaram em linha com o melhor grupo de
comparação ou foram além.
Desenvolvida na década passada, essa
metodologia foi aplicada na avaliação da performance, antes e depois, de
países que entraram na União Europeia, mas seu uso não é pacífico entre
economistas. E vem se disseminando na medição dos mais distintos
objetivos, seja dos efeitos do uso da maconha nos índices de
criminalidade no Colorado (EUA) ou dos danos do terrorismo para a
economia dos países bascos.
O Brasil avançou de 2003 para cá na área
social. Isso não está em questão. Mas poderia ter avançado muito mais. E
se atrasou em outras áreas relevantes. Aí começa a discussão sobre o
futuro. Não por outra razão, o texto está subsidiando a discussão no
núcleo das campanhas eleitorais dos candidatos das oposições.
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