quarta-feira, 9 de abril de 2014

EUA, onde o capital é rei

Segundo Thomas Piketty, o mundo volta ao capitalismo dominado pela riqueza herdada. Por Paul Krugman

Chicago 
Acabo de finalizar o esboço de uma longa resenha do novo livro de Thomas Piketty, Capital in the 21st Century, em que o economista francês afirma a volta do “capitalismo patrimonial”, dominado pela riqueza herdada. É livro surpreendente. Faz um trabalho incrível ao integrar em uma estrutura comum o crescimento econômico, a distribuição de renda (entre capital e trabalho) e a distribuição de renda individual.
Uma ligeira fraqueza do livro é, porém, não fazer um bom serviço ao explicar a explosão da desigualdade de renda nos Estados Unidos, que até agora foi conduzida principalmente pela renda dos salários, mais que do capital. Piketty aborda isso, mas é uma espécie de jornada paralela à história central. Não importa, ainda é uma obra-prima.
Uma coisa que me marca é a notável extensão em que o conservadorismo americano em 2014 parece se tratar de defender e promover o capitalismo patrimonial, apesar de ainda não termos chegado lá.
Pense na administração de George W. Bush, cujo principal tema econômico foi a mensagem da “sociedade da propriedade” – em que você não é realmente um americano completo, por mais que trabalhe, se não tiver muitos ativos. Pense na famosa mensagem no Twitter de Eric Cantor no Dia do Trabalho de 2012, em que o líder da maioria republicana na Câmara aproveitou a ocasião para comemorar os donos de empresas, em vez dos trabalhadores. Mais recentemente, Mike Konczal, do Instituto Roosevelt, indicou que apesar das alegações de que o Tea Party de certa forma representa uma rebelião contra o domínio do Partido Republicano pelas empresas, a agenda do partido corresponde quase perfeitamente aos objetivos de Wall Street.
Ah, e não esqueçamos a longa cruzada contra o imposto sobre espólios. Em suma, o Partido Republicano cada vez mais e constantemente apoia os interesses do capital sobre os do trabalho. Mas por quê?
Poderia considerar-se que o partido está reagindo a uma mudança na sociedade. Não há cada vez mais americanos proprietários de ativos, por exemplo, por meio de suas contas de aposentadoria?
Não. A concentração de renda do capital nas mãos de poucos aumentou acentuadamente. Hoje a metade do espectro político dá instintivamente muito mais respeito ao capital do que ao trabalho, em um momento em que a renda do capital se concentra cada vez mais em poucas mãos, e está a caminho de se concentrar principalmente nas mãos dos que herdaram sua riqueza. Curioso, não é?
Recebi um e-mail: “Paul, você é um traidor comunista subumano que deveria ser deportado. Você é uma desgraça para os fundadores da América e uma afronta à Constituição. Os republicanos acreditam em proteger o dinheiro dos trabalhadores e não dos receptores. Todos os trabalhadores, pobres e ricos, devem ser igualmente protegidos dos altos impostos”.
Recebo pelo menos uma dessas mensagens todos os dias. Mas é interessante ler isso logo depois de ter resenhado o livro de Piketty. Ele defende que a noção moderna de que a redistribuição e a “penalização do sucesso” são antiamericanas e discorda completamente da história real do país. Em uma subseção do livro intitulada “Taxação confiscatória de rendas excessivas: uma invenção americana”, ele mostra que os EUA, na verdade, foram pioneiros na taxação elevada dos ricos:
“Quando examinamos a história da taxação progressiva no século XX, é notável ver como a Grã-Bretanha e os EUA estavam extremamente adiantados, especialmente os últimos, que inventaram o imposto confiscatório sobre ‘rendas e fortunas excessivas’.”
Por que isso aconteceu? Piketty indica o ideal igualitário americano, que acompanhava o medo de criar uma aristocracia hereditária. Os altos impostos foram motivados em parte pelo “medo de parecer a velha Europa”. Entre os que pediram a alta taxação de espólios por motivos sociais e políticos estava o grande economista Irving Fisher.
Durante a Era Progressista, foi comum e amplamente aceito apoiar os altos impostos sobre os ricos, especificamente para impedir que os ricos ficassem mais ricos, posição que poucas pessoas na política hoje ousariam defender.
E, como meu correspondente ilustrou de maneira tão vívida, muitas pessoas hoje imaginam que a redistribuição e os altos impostos sobre os ricos são a antítese dos ideais americanos, e na verdade praticamente comunismo. Elas não têm ideia de que a redistribuição é, na realidade, tão americana quanto a torta de maçã.

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