Crise na Bahia: papel da PM precisa ser revisto, dizem especialistas
Violência de policiais militares em greve por reajuste
salarial na Bahia reabre debate sobre necessidade, organização e atuação
de segurança pública fardada. Segundo sociólogo especializado em PM,
caso expõe 'crise estrutural' das policias no Brasil. Para o antropólogo
Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública no
primeiro ano de governo do ex-presidente Lula, mais do que discutir a
legitimidade ou não desta greve específica, é preciso acabar com o
vínculo entre polícias militares estaduais e Exército.
Brasília - Homicídios, roubos, saques. Confrontos entre
manifestantes e forças policiais federais. A violência explode nas ruas
da Bahia, enquanto policiais militares de capuz na cabeça e armas em
punho amotinam-se na Assembleia Legislativa, atrás de aumento salarial.
As notícias que chegam do estado assustam e reacendem debate sobre o
papel da polícia militar (PM), organização que tem no DNA a repressão
popular e foi fartamente utilizada pela ditadura de 64 contra
adversários.
O Brasil precisa de policiamento ostensivo feito
por pessoas com cabeça e treinamento militar? PMs devem ter o direito à
organização sindical como outras categorias, algo negado militares? São
perguntas com respostas difíceis e que desafiam até governos
trabalhistas, como é o caso na Bahia, onde as negociações parecem não
avançam.
Para o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário
Nacional de Segurança Pública no primeiro ano de governo do
ex-presidente Lula, mais do que discutir a legitimidade ou não desta
greve específica, é preciso acabar com o vínculo entre polícias
militares estaduais e Exército.
“A estrutura organizacional da
segurança pública no Brasil, herdada da ditadura, é um arranjo negativo
para todos, que prejudica a sociedade, os governos e os próprios
trabalhadores policiais”, afirma. "Se o cordão umbilical da PM com o
Exército não for cortado, teremos sempre o grito das ruas, a chantagem e
o acuamento dos governos."
Segundo ele, apesar de as PMs terem
funções diversas das atribuídas às Forças Armadas, elas são subordinadas
não só aos governos estaduais, mas ao próprio Exército. E isso implica
proibição de organização sindical. Sem liberdade para se organizarem de
forma democrática, às vezes insatisfações funcionais explodem em praça
pública.
“E quem acaba liderando essas explosões não são
lideranças legítimas, qualificadas, com experiência política, mas quem
fala mais alto, consegue mobilizar as paixões e não se intimida em
chantagear os governos para alcançar seus objetivos”, afirma.
Para
o antropólogo, não é com vandalismo, armas e máscaras que trabalhador
deve se organizar. Mas ele acredita que os governos também são culpados,
ao fazer "vista grossa" a reivindicações dos PMs.
Especializado
em polícias militares, o sociólogo Romeu Karnikowski lembra que elas
surgiram depois da proclamação da República como milícias a serviço de
oligarquias locais. “A baiana, inclusive, participou ativamente da
repressão à Canudos”, afirma, em referência ao movimento de caráter
religioso liderado por Antônio Conselheiro no fim do século 19.
Segundo
o sociólogo, com a centralização do poder militar no Exército, sob
controle federal, as polícias militares assumiram a exclusividade do
policiamento ostensivo nos estados. “As polícias militares deveriam ter
sido extintas, mas foram reativadas pela ditadura para atuarem como
forças repressivas, e não como polícias de segurança”.
A
violência contra a casta mais baixa dos PMs só se agravou no período. “A
submissão dos praças sempre foi tão grande que, até a Constituição de
1988, eles não tinham sequer o direito de votar nas eleições”, conta.
Mas
o “desaquartelamento” da corporação trouxe benefícios, na opinião do
estudioso. “Jogados no policiamento ostensivo, os policiais ficaram mais
expostos ao contato com a população civil e começaram a desenvolver
outra percepção de cidadania. A capacidade reivindicatória cresceu. A
luta de classes dentro das polícias, que estava latente, só se
intensifica”, afirma.
Para Karnikowski, é neste contexto que a
greve da PM baiana precisa ser analisada. “Mais do que um movimento
reivindicatório, é uma manifestação da crise estrutural das polícias
brasileiras e uma luta social que, infelizmente, parte da esquerda não
sabe como lidar. Um exemplo disso é o governador Jacques Wagner [PT] enviar tropas para cercar a Assembleia Legisltiva da Bahia, tensionando ao limite essa crise”.
O governador estava no exterior em viagem com a presidenta Dilma Rousseff, quando o motim começou.
O
comando do Exército na jurisdição dentro da qual está a Bahia, a VI
região militar, pertence ao general Gonçalves Dias. O general foi chefe
da segurança do ex-presidente Lula durante os oito anos de mandato do
petista. G.Dias, como era conhecido nos tempos de Presidência, é quem
está à frente das operações militares hoje na Bahia contra os
amotinados.
Fonte http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19560
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