Conheça soluções para a crise da água em 6 cidades do mundo
Paula
Adamo Idoeta e Rafael Barifouse da BBC Brasil em São Paulo
7
novembro 2014
"Crise da água em São Paulo desperta discussões sobre abastecimento, consumo e clima"
A
crise da água no Sudeste brasileiro, que afeta milhões de pessoas,
desperta discussões sobre mudanças climáticas, consumo,
investimentos e alternativas de abastecimento.
Diversas
cidades do mundo também enfrentam ou enfrentaram desafios
semelhantes, envolvendo seca, desperdício e excesso de consumo. A
experiência delas pode servir de lição para São Paulo e as demais
cidades brasileiras que sofrem com a falta d’água?
A
BBC Brasil identificou seis cidades que tentam solucionar suas crises
de abastecimento e perguntou ao Instituto Socioambiental (ISA) até
que ponto as medidas se aplicariam à realidade paulista:
PEQUIM – TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUA
A
China está entre os 13 países listados pela ONU com grave falta
d’água: com 21% da população mundial, o país tem apenas 6% da
água potável do planeta.
Cerca
de 400 cidades do país enfrentam obstáculos de abastecimento, e
Pequim é uma delas: com uma população crescente, a capital já
consome mais água do que tem disponível em seus reservatórios.
Além
disso, diversos rios chineses secaram recentemente em decorrência de
secas prolongadas, crescimento populacional, poluição e expansão
industrial.
Para
enfrentar a questão, a companhia de água de Pequim está apostando
em um projeto multibilionário para redirecionar rios, o Projeto de
Desvio de Água Sul-Norte, cuja primeira etapa deve ser concluída
neste ano.
"China
realiza transposição de água do sul para abastecer Pequim"
O
objetivo é mover bilhões de metros cúbicos de água do sul ao
norte (mais árido) anualmente ao longo de uma distância superior à
que separa o Oiapoque do Chuí (extremos do Brasil), a um custo que
deve superar os US$ 60 bilhões. Seria necessária a construção de
2,5 mil km de canais.
-É
VIÁVEL EM SP? O
governador paulista, Geraldo Alckmin, propôs uma obra de
transposição para interligar o Sistema Cantareira à bacia do rio
Paraíba do Sul - proposta polêmica, já que este último é a
principal fonte de abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, mas
vista como "viável" pela Agência Nacional de Águas
(ANA). O custo estimado é de R$ 500 milhões.
No
entanto, para Marussia Whately, consultora em recurso hídricos do
ISA (Instituto Socioambiental), São Paulo estaria avançando sobre
outras fontes de água sem cuidar da água que tem disponível
atualmente.
"Vamos
investir em grandes obras antes de pensar na gestão das perdas de
água, no consumo e na degradação das fontes de água atuais?",
questiona.
PERTH (AUSTRÁLIA) – DESSALINIZAÇÃO
Perth
é a "cidade mais seca" entre as metrópoles da Austrália.
Segundo a presidente da Western Australia Water Corporation, Sue
Murphy, as mudanças climáticas ocorreram mais rápido e antes do
que era esperado no oeste do país. "Nos últimos 15 anos, a
água de nossos reservatórios foi reduzida para um sexto do que
havia antes", disse à BBC em junho.
A
cidade construiu duas grandes estações para remover o sal da água
coletada no Oceano Índico e torná-la potável.
Hoje,
Perth obtém metade de sua água potável a partir do mar. Mas os
ambientalistas criticam o processo por ser caro e demandar muita
energia. Os moradores sentiram o impacto em suas contas de água, que
dobraram de valor nos últimos anos.
"Grande
parte do suprimento de água de Perth vem de plantas de
dessalinização"
A
cidade também está fazendo experimentos com o sistema Gnangara, sua
maior fonte hídrica subterrânea. Por uma década, Perth injetou nos
aquíferos subterrâneos a água que foi usada pela população, já
tratada. A água é filtrada naturalmente pelo solo arenoso e depois
extraída para ser consumida pela população ou usada na irrigação
agrícola. O teste foi considerado bem-sucedido, e um programa
oficial foi estabelecido – sua meta é obter desta forma 7 bilhões
de litros por ano.
"Com
um clima mais seco, precisamos ser menos dependentes de chuva, por
isso apoiamos estes projetos", disse Mia Davies, ministra de
Água e Florestas do Leste da Austrália. Ao mesmo tempo, houve uma
campanha pelo uso racional da água, o que fez com que a demanda por
água hoje seja 8% menor do que em 2003, apesar de a população ter
crescido mais de 30%.
-É
VIÁVEL EM SP? A
dessalinização não seria uma opção coerente, diz Whately, do
ISA, já que São Paulo não é cidade costeira e o Brasil tem um
enorme patrimônio de água doce. Ao mesmo tempo, já se fala em
recorrer ao uso emergencial de água usada: o governo paulista
anunciou nesta semana planos de construir uma Estação de Produção
de Água de Reúso na zona sul de São Paulo.
NOVA
YORK - PROTEÇÃO DE MANANCIAIS
Uma
das maiores cidades do mundo, Nova York iniciou nos anos 1990 um
amplo programa de proteção aos mananciais de água, para prevenir a
poluição nessas nascentes e, assim, evitar gastos volumosos com
tratamento ou busca de novas fontes de abastecimento.
O
projeto incluiu aquisição de terras pelo governo nas nascentes de
água, com o objetivo de proteger sua vegetação e garantir que os
lençóis freáticos continuassem a ser alimentados; assistência
financeira a comunidades rurais nessa região em troca de cuidados
com o meio ambiente; e mitigação da poluição nos mananciais. Com
isso, a cidade conseguiu ampliar em décadas a vida útil de seus
mananciais.
O
programa também envolveu campanhas pela redução do consumo. Dados
oficiais apontam que o consumo per capita da cidade era de 204,1
galões de água por dia em 1991 e caiu para 125,8 galões/dia em
2009.
-
É VIÁVEL EM SP? Para
Whately, trata-se da opção mais adequada para a realidade paulista:
"A ideia (em Nova York) foi pensar o recurso que eles tinham
disponíveis e cuidar deles, em vez de investir em obras", diz.
ZARAGOZA (ESPANHA) – CONSCIENTIZAÇÃO E METAS
Secas
severas nos anos 1990 deixaram milhões de espanhóis temporariamente
sem água. Mas um relatório da Comissão Europeia aponta que o maior
problema no país não costuma ser a falta de chuvas, e sim "uma
cultura de desperdício de água".
A
cidade de Zaragoza, no norte, encarou o problema com uma ampla
campanha de conscientização em escolas, espaços públicos e
imprensa pelo uso eficiente da água e o estabelecimento de metas de
redução de consumo. Dos cerca de 700 mil habitantes, 30 mil se
comprometeram formalmente a gastar menos água.
Água preciosa
- Segundo a ONU, até 2025, dois terços da população mundial enfrentarão dificuldades com a falta d’água.
- Mais de 1 bilhão de pessoas que moram em cidades poderão viver com menos de 100 litros por dia – limite da ONU para uma vida saudável – e mais de 3 bilhões terão falta d’água por um mês a cada ano, de acordo com um estudo na Nature Conservancy.
A
estratégia incluiu incentivos para a compra de aparelhos domésticos
econômicos (chuveiros, vasos sanitários, torneiras e máquinas de
lavar louça eficientes, cujas vendas aumentaram em 15%); melhoria no
uso da água em edifícios e espaços públicos, como parques e
jardins; e cuidados para evitar vazamentos no sistema.
A
meta estabelecida em 1997, de cortar o consumo doméstico de água em
mais de 1 bilhão de litros água em um ano, foi atingida. Antes da
campanha, diz a Comissão Europeia, apenas um terço das casas de
Zaragoza praticava medidas de economia de água; ao final da
campanha, eram dois terços. O consumo total caiu mesmo com o aumento
no número de habitantes.
"O
projeto mostrou que é possível lidar com a falta d’água em um
ambiente urbano usando uma abordagem economicamente eficiente, rápida
e ecológica", diz o 2030 Water Resources Group, consórcio que
reúne ONGs, governos, ONU e empresas em busca de soluções ao uso
da água no mundo.
-É
VIÁVEL EM SP? Não
apenas viável como necessário, diz Whaterly, do ISA. "Se
houvesse, por exemplo, um amplo programa de incentivos à aquisição
de hidrômetros individuais (em vez de coletivos) nos edifícios de
São Paulo, haveria uma economia brutal de água", opina.
"Também são necessários incentivos à construção de
cisternas e sistemas individuais de reúso da água."
Whately
opina também que, ante a urgência da situação, a cidade precisa
fixar metas e incentivos à redução do consumo mais duras do que as
promovidas atualmente pela Sabesp - por exemplo, forçando
consumidores maiores a cortar mais seu gasto de água e debatendo a
imposição de multas a quem aumentou o consumo em plena estiagem.
CIDADE DO MÉXICO – NOVOS AQUÍFEROS
Em
junho, o presidente mexicano Enrique Peña Nieto afirmou que 35
milhões de habitantes do país têm pouca disponibilidade de água,
tanto em qualidade como em quantidade.
Essa
escassez é grave na própria capital, a Cidade do México, onde uma
combinação de fatores – como grande concentração populacional,
esgotamento de rios e tratamento insuficiente da água devolvida ao
solo – causa extrema preocupação.
Em
2009, partes da cidade foram submetidas a racionamento de água após
uma forte seca; e autoridades ouvidas pela imprensa local afirmam
que, no ritmo atual, a cidade pode não ter água o suficiente em
2030.
Uma
aposta da Cidade do México são aquíferos identificados no ano
passado, cuja viabilidade está sendo estudada. Estão sendo
perfurados poços para não apenas confirmar a existência das fontes
subterrâneas de água, mas também avaliar sua qualidade para
consumo humano.
Até
2016, as autoridades dizem que será possível saber se os aquíferos
serão ou não uma alternativa de abastecimento para a megalópole. O
problema, dizem, é que a perfuração, a 2 km de profundidade, deve
sair muito mais cara do que perfurações de fontes mais próximas à
superfície.
Para
David Barkin, professor da Universidade Autônoma Metropolitana na
Cidade do México e estudioso da questão da água, o plano mexicano
pode não ser concretizado por causa dos altos custos envolvidos na
exploração do aquífero.
Além
disso, diz ele, a forma como as autoridades tratam a água disponível
atualmente é "obscena" - citando desperdícios,
construções residenciais em áreas que deveriam servir para
armanezagem de água natural e problemas de planejamento.
-É
VIÁVEL EM SP? Para
Whately, o uso de água subterrânea já é uma realidade para
diversas cidades brasileiras, mas, por serem importantes reservas de
água para o futuro, seu uso deve ser racional. "Ainda temos
pouco conhecimento a respeito de nossos aquíferos. Eles precisam ser
melhor estudados e mais bem cuidados – por exemplo, há locais em
que o uso de agrotóxicos (no solo) pode prejudicá-los."
“Bairro próximo à Cidade do Cabo fez enorme economia de água ao reformar encanamento”
CIDADE DO CABO (ÁFRICA DO SUL) – GUERRA AO DESPERDÍCIO
Khayelitsha,
a 20 km da Cidade do Cabo, é uma das maiores "townships"
(como são chamadas as comunidades carentes sul-africanas) do país,
com 450 mil habitantes. No início dos anos 2000, uma investigação
descobriu que cerca de uma piscina olímpica era perdida por hora por
causa de vazamentos em sua rede de água.
A
principal fonte de desperdício eram os encanamentos domésticos,
muitos dos quais deficientes e incapazes de resistir alta à pressão
de bombeamento da água.
Com
isso, aumentavam o consumo de água e também a inadimplência, já
que muitas pessoas não conseguiam pagar as contas mais caras. Além
disso, a Cidade do Cabo vive sob constante ameaça de falta d’água.
Um
projeto-piloto de US$ 700 mil, iniciado em 2001, funcionou em duas
frentes: a reforma de encanamentos ruins e a redução da pressão da
água fornecida ao bairro, para evitar os vazamentos.
Segundo
um relatório do governo da Cidade do Cabo, o projeto custou menos de
US$ 1 milhão e o investimento foi recuperado em menos de seis meses.
Com
a iniciativa, aliada a uma campanha de conscientização para evitar
desperdícios, Khayelitsha conseguiu economizar 9 milhões de metros
cúbicos de água por ano, equivalente a US$ 5 milhões, segundo o
consórcio 2030 Water Resources.
-
É VIÁVEL EM SP? Para
Whately, as perdas de água também são um "problema enorme"
em São Paulo. "Quase um terço da água é perdida (no caminho
ao consumidor), o que equivale a todo o volume do Guarapiranga e Alto
Tietê juntos", diz. "Em alguns casos, encanamentos antigos
podem contribuir para isso. Seria necessário mapear, com a ajuda das
prefeituras, áreas onde há grandes perdas de água e identificar os
motivos."
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