segunda-feira, 12 de setembro de 2011

ENTREVISTA

"Nosso objetivo é que os alunos tenham o domínio do conhecimento na área de Economia... (13/08/2011)

e não que sejam dominados por esse conhecimento, como geralmente é o caso de alunos ‘treinados’ em escolas mais próximas à orientação do mainstream econômico."

Fabio N. P. de Freitas é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia (IE) da UFRJ.

P: O instrumental teórico e o receituário do pensamento ortodoxo mostraram-se totalmente inadequados para explicar e lidar com a recente crise econômica mundial. Você está contente com o peso que o pensamento neoclássico tem na grade curricular do seu curso? As diferentes escolas de pensamento são abordadas ao longo do curso ou esse tema fica restrito à cadeira história do pensamento econômico?
R: O curso de Economia da UFRJ segue uma linha pluralista do ponto de vista teórico e metodológico. Nesse sentido, os nossos alunos são expostos a diferentes abordagens teóricas e são instigados a formar uma visão crítica em relação ao conhecimento que estão assimilando. Nosso objetivo é que os alunos tenham o domínio do conhecimento na área de Economia e não que sejam dominados por esse conhecimento, como geralmente é o caso de alunos “treinados” em escolas mais próximas à orientação do mainstream econômico.

O pensamento neoclássico é coberto em parte do conteúdo de nossas disciplinas obrigatórias, o mesmo acontecendo com os conteúdos de outras escolas de pensamento, muitas vezes com os referidos conteúdos dividindo o espaço de uma mesma disciplina. Acredito que o pensamento da escola neoclássica tem um peso adequado em nosso currículo. Entendemos que uma análise crítica do pensamento dessa escola requer que os alunos a conheçam satisfatoriamente. Sem esse requisito, a crítica tende a ser superficial e frágil em sua sustentação nos fóruns de debate, o que é contraproducente a médio e longo prazo, se o objetivo é criar uma base sólida para a crítica das ideias dominantes. Também é desejável que, além da crítica, o aluno também tenha acesso a visões alternativas, tanto no nível mais abstrato da teoria quanto em relação às implicações de política econômica.

Finalmente, acreditamos que as disciplinas de economia política/história do pensamento econômico fazem parte da formação teórica. O estudo da evolução das ideias em seus respectivos contextos históricos é um método profícuo de ensino de teoria econômica.

P: As questões sociais, como educação, distribuição de renda, pobreza e saúde, são discutidas com a ênfase necessária no seu curso? E as questões ambientais, têm o destaque devido? Qual é o peso da Matemática no seu currículo?
R: As questões sociais e ambientais são contempladas como parte dos conteúdos de nossas disciplinas obrigatórias e eletivas. Tais questões perpassam diversas disciplinas obrigatórias, com destaque para a disciplina de setor público e as duas disciplinas de desenvolvimento socioeconômico, um tema muito caro ao Instituto de Economia da UFRJ. Também existem disciplinas eletivas que se dedicam a tratar integralmente destas questões.

Acreditamos que nos dias atuais os economistas tenham que ter uma sólida formação em métodos quantitativos (Matemática, Estatística e Econometria). Considero que o peso desses conteúdos em nossa grade curricular seja adequado, oferecendo aos alunos um importante método de análise. O problema é que, atualmente, alguns cursos privilegiam o ensino desse método em detrimento do método de análise histórico/institucional, que é indispensável. No curso de Economia da UFRJ os dois conteúdos são contemplados de maneira equilibrada.

P: Quais as cadeiras em que os alunos sentem mais dificuldade e por quê?
R: A maior dificuldade dos alunos é com as disciplinas de métodos quantitativos. Penso que essa dificuldade está relacionada a uma certa imaturidade dos alunos no períodos iniciais, nos quais se concentram essas disciplinas. Tal imaturidade se revela, por exemplo, na dificuldade em dedicar o tempo necessário fora de sala de aula para dar conta do aprendizado dessas matérias. Também surge pela dificuldade natural de entender imediatamente a utilidade de tais métodos na análise econômica, particularmente no que se refere aos conteúdos de cálculo, álgebra linear e teoria da probabilidade.

P: Temos, em português, livros-textos adequados para o ensino de Economia?
R: No que diz respeito aos conteúdos mais próximos ao pensamento neoclássico, penso que a oferta é adequada. O problema surge quando pensamos nos conteúdos de orientação mais heterodoxa. Aqui existe uma lacuna que também representa um desafio para os economistas com esse tipo de orientação. Na UFRJ, alguns exemplos bem-sucedidos de iniciativa de professores da casa para preencher essa lacuna são os livros de Economia Industrial, de Economia Monetária e Financeira, de Economia da Energia e de Teorias dos Jogos resultantes de esforços de professores da casa. Além disso, vários professores têm manifestado a vontade de prosseguir na árdua tarefa de escrever e publicar material didático de graduação que tenha uma visão mais crítica em relação ao pensamento dominante e apresente análises alternativas.

P: A monografia de final de curso é importante? Há condições de se dar o apoio adequado ao aluno para desenvolver o trabalho?
R: Penso que o trabalho de final de curso seja importante e nós na UFRJ procuramos dar condições para que os alunos sejam capazes de elaborá-los. Para tanto, temos uma disciplina obrigatória que tem como objetivo preparar os alunos para desenvolver um trabalho dentro dos padrões científicos e que tem como resultado final a elaboração de um projeto de monografia e um dos seus capítulos. Cada aluno desenvolve sua monografia sob a orientação de um professor responsável, que é defendida frente a uma banca composta pelo orientador e mais dois professores. Essa estrutura de apoio tem se mostrado eficaz, sendo que nossas monografias têm sido constantemente premiadas nos concursos existentes.

P: Qual é a sua opinião sobre a qualidade dos estágios oferecidos aos alunos de Economia?
R: Percebo que os estágios são muito heterogêneos, principalmente do ponto de vista das suas contribuições para a formação dos alunos. Fico preocupado com alguns casos em que claros desvios são cometidos nas atividades de estágio, tais como a exigência de dedicação incompatível com a manutenção de um desempenho acadêmico aceitável e o desrespeito aos horários de funcionamento das atividades de ensino da universidade. Procuramos, na medida do possível, identificar esses desvios e tomar as decisões cabíveis para evitar prejuízos para a formação de nossos alunos.

P: O curso de Economia prepara o aluno para o concurso da ANPEC ou o cursinho é inevitável? Quais os principais problemas que enfrenta a ANPEC?
R: O curso de Economia da UFRJ não tem como objetivo preparar o aluno para o exame da ANPEC. Porém, nossos alunos têm obtido um bom desempenho nesse exame. No meu entender, os cursos preparatórios cumprem papel semelhante aos cursos que preparam para o vestibular. O exame da ANPEC é muito difícil e a preparação para enfrentá-lo requer muita disciplina, organização e dedicação por parte dos alunos. O conhecimento adquirido ao longo de quatro ou cinco anos é aferido em dois dias de provas extenuantes. Penso que os cursos ajudam os alunos principalmente a organizar a sua sequência de estudos e o seu tempo. Todavia, do ponto de vista dos conteúdos exigidos, acredito que o curso de Economia da UFRJ forneça uma base suficiente para os alunos participarem competitivamente do exame.

Agora, o exame apresenta alguns problemas. Percebo que seu nível de dificuldade tem aumentado ano após ano, em descompasso com o ensino de graduação no país. Com isso, a prova tem maior eficácia na avaliação dos melhores candidatos, digamos entre os 200 primeiros, o mesmo não ocorrendo para os demais candidatos. A pós-graduação em Economia da UFRJ e alguns poucos centros de pós-graduação no país captam seus alunos entre esses 200 primeiros, mas os demais centros de pós-graduação têm maior dificuldade no uso da prova para fins de seleção de seus alunos. Acredito que devemos ter cuidado com essa escalada de dificuldade da prova. Em particular, não devemos deixar que ela seja capaz de pautar o ensino de Economia na graduação, sob o risco de antecipar o acesso dos alunos de graduação a conteúdos que, em outros países de referência no ensino de Economia, só são ministrados na pós-graduação.

P: Na sua opinião, a qualidade dos alunos que ingressam no seu curso tem melhorado ou piorado nos últimos anos?
R: Não percebo nenhuma alteração significativa na qualidade dos entrantes do curso de Economia da UFRJ nos últimos anos.

P: Que tipo de profissional forma o seu curso? O curso de Economia prepara o aluno para o mercado de trabalho?
R: Nossos alunos têm conseguido uma boa inserção no mercado de trabalho, tanto no setor privado como no setor público. Porém, devo destacar que o curso de Economia da UFRJ, nos níveis de graduação e pós-graduação, tem se notabilizado por sua capacidade de gerar quadros para o setor público.


Fonte: Corecon- MG

Nenhum comentário:

Postar um comentário